domingo, 11 de novembro de 2018


Citroen DS
Por mais que a tecnologia evolua, até à data nenhum automóvel esteve vinte anos avançado relativamente a outro lançado na mesma altura. Essa proeza foi conseguida pela Citroen em 1950 com o seu modelo DS, vulgarmente conhecido por «boca de sapo» atendendo à semelhança entre o capô, aerodinamicamente muito bem trabalhado para a época e o batráquio que lhe deu a alcunha, foi fabricado durante 25 anos. Em 1950 a Citroen vivia um momento áureo, produzia um modelo idealizado pelo seu fundador André Citroen que libertara a empresa dos credores. O Tracion Avant foi desenhado pelo engenheiro aeronáutico André Lefebvre e possuía soluções inovadoras que o tornaram um marco na história do automóvel. A tração frontal, o chassis monobloco e o equilíbrio de massas conseguido pela receita, fizeram da «Arrastadeira» um automóvel muito interessante, produzido de 1934 a 1957. Por tudo isto o DS seu sucessor, tinha de ser um modelo de responsabilidade.



Foi desenhado pelo arquitecto italiano Flaminio Bertoni que juntamente com André Lefèbvre, criaram uma carroceria aerodinâmica de design futurístico e tecnologia inovadora. Nos primeiros quinze minutos da sua apresentação que aconteceu no Salão de Automóvel de Paris, a Citroen tinha vendido mais de 745 exemplares, passando o número para 12.000 no final do dia. O DS possuía para além de uma carroceria muito bem trabalhada aerodinamicamente, Cx 0,38, carregada de soluções alternativas como alumínio em alguns painéis de grandes dimensões, fibra de vidro no tejadilho, fundo liso por não necessitar de túnel para passagem do veio de transmissão, parte inferior da carroceria trabalhada aerodinamicamente, suspensão hidropneumática auto-nivelante que permitia trocar um pneu sem recorrer ao vulgar macaco, variar a altura do carro em três posições embora só uma com amortecimento da carroceria e andar em três rodas, direcção assistida, travões hidráulicos com discos nas rodas da frente colocados junto à caixa de velocidades para reduzir as massas suspensas e tração às rodas da frente. Opcionalmente poderia ser encomendado com transmissão automática. Mais tarde surgiu o sistema de faróis direccionáveis, injecção a gasolina e até um motor a diesel. A Portugal chegou em 1956, o DS 19 custava cerca de 120 contos e era anunciado como: «o carro em que se pode apreciar a paisagem, ler, escrever, dormir, conversar, rolar sem fadiga, quer à frente quer à retaguarda, com qualquer tempo». Em 1960 a Citroen lançou um modelo descapotável.

  
Desenhado por Henri Chapron foi apresentado no Salão de Paris e esteve em produção até 1971. Revestido a couro, com tampões especiais nas rodas e o refinamento próprio de um topo de gama, o DS Cabriolet custava quase o dobro da berlina. Face ao sucesso do DS a Citroen começou a ter problemas na produção na fábrica do Quai de Javel nas margens do Sena. A lista de espera chegou aos 18 meses passando a montagem para fábricas no Reino Unido, Bélgica e em 1959 para a África do Sul. A produção do DS chegou também à antiga Jugoslávia, à Austrália e até a Portugal, mais propriamente à linha de Mangualde. Um automóvel com requinte, estilo e personalidade que teve como proprietários grandes empresários franceses e governantes, príncipes e até reis, necessitava de argumentos especiais para chegar a outros segmentos. Um deles o preço, que levou a Citroen a retirar alguma tecnologia para poder reduzir custos e apresentar mais tarde em Outubro de 1956 o ID19 que se diferenciava pela caixa de velocidades com embraiagem mecânica e direcção não assistida. O preço baixou 20 contos, passando o ID a custar cerca de 100 contos. Com essa democratização aparece a versão break lançada em 1958, uma carrinha muito versátil, espaçosa, que se distinguiu pela possibilidade de ser utilizada como veículo familiar de sete lugares.



Os dois bancos colocados nas laterais do porta bagagens permitiam que duas crianças viajassem desconfortavelmente. Como veículo comercial tornou-se muito interessante, muitas vezes utilizado para ambulância pelas propriedades da suspensão hidropneumática. A carreia desportiva deste modelo durou 18 anos e a sua primeira vitória foi em 1959 no Rali de Monte Carlo com a equipa Coltelloni / Alexandre permitindo nesse ano a Citroen conquistar a Taça dos Construtores. No Safari com Françoise Houillon voltou a ganhar a Taça das Senhoras em 1965, êxito repetido no ano seguinte em Monte Carlo. Provas como Londres-Sidney e Bianchi-Ogier viram este modelo da Citroen no comando até perto do final. Em Portugal Francisco Romãozinho e Nuno Botelho foram os pilotos que se destacaram ao volante dos DS. A Presidência da República Francesa tem uma relação antiga com a fábrica Citroen e como seria de esperar encomendou um DS muito personalizado. Na lista de requisitos estava ser um automóvel mais longo que o Lincoln do Presidente dos Estados Unidos. Henri Chapron voltou à tela e desenhou um DS presidencial com 6,53m de comprimento onde um vidro curvo separava os lugares da frente dos traseiros. Revestido a couro castanho, um lugar especial para o intérprete, vidros eléctricos, climatização, iluminação directa e indirecta, intercomunicador e um minibar encastrado, fazia deste DS uma jóia sobre rodas. A oito de Setembro de 1961 conduzido por Francis Marroux este DS sofre um atentado sobre a Pont-sur-Seine, o presidente sai ileso. Em Agosto de 1962 volta a ser alvo de outro atentado conhecido como Petit-Clamart organizado por um comando da OAS (Organization de L’Armée Secret) que contestava a política francesa na Argélia. Milagrosamente o presidente volta a sair ileso mas desta feita a imprensa da época atribui a sorte às capacidades do DS que com os dois pneus da frente furados e 14 projécteis na carroceria manteve a trajectória que, com uma redução de quarta para terceira «voa» da linha de fogo salvando os passageiros. Lisboa também teve DS na presidência e táxis no Rossio. Personagens como Sttau Monteiro entre outros disfrutaram a beleza da sua condução. Mecanicamente apesar de robustos, atendendo à complexidade de algumas soluções escolhidas tornou-se problemático por exigir quase sempre um técnico especializado para algumas operações, nomeadamente quando se tratava da suspensão que, possuía esferas onde conviviam à pressão fluidos, gasoso e liquido.
                                                                                                                                 João Paulo Lima