Citroen DS
Por mais que a tecnologia evolua,
até à data nenhum automóvel esteve vinte anos avançado relativamente a outro lançado
na mesma altura. Essa proeza foi conseguida pela Citroen em 1950 com o seu
modelo DS, vulgarmente conhecido por «boca de sapo» atendendo à semelhança entre
o capô, aerodinamicamente muito bem trabalhado para a época e o batráquio que
lhe deu a alcunha, foi fabricado durante 25 anos. Em 1950 a Citroen vivia um momento
áureo, produzia um modelo idealizado pelo seu fundador André Citroen que libertara
a empresa dos credores. O Tracion Avant foi desenhado pelo engenheiro aeronáutico
André Lefebvre e possuía soluções inovadoras que o tornaram um marco na
história do automóvel. A tração frontal, o chassis monobloco e o equilíbrio de
massas conseguido pela receita, fizeram da «Arrastadeira» um automóvel muito
interessante, produzido de 1934 a 1957. Por tudo isto o DS seu sucessor, tinha
de ser um modelo de responsabilidade.
Foi desenhado pelo arquitecto italiano
Flaminio Bertoni que juntamente com André Lefèbvre, criaram uma carroceria
aerodinâmica de design futurístico e tecnologia inovadora. Nos primeiros quinze
minutos da sua apresentação que aconteceu no Salão de Automóvel de Paris, a
Citroen tinha vendido mais de 745 exemplares, passando o número para 12.000 no
final do dia. O DS possuía para além de uma carroceria muito bem trabalhada
aerodinamicamente, Cx 0,38, carregada de soluções alternativas como alumínio em
alguns painéis de grandes dimensões, fibra de vidro no tejadilho, fundo liso
por não necessitar de túnel para passagem do veio de transmissão, parte
inferior da carroceria trabalhada aerodinamicamente, suspensão hidropneumática auto-nivelante
que permitia trocar um pneu sem recorrer ao vulgar macaco, variar a altura do
carro em três posições embora só uma com amortecimento da carroceria e andar em
três rodas, direcção assistida, travões hidráulicos com discos nas rodas da
frente colocados junto à caixa de velocidades para reduzir as massas suspensas
e tração às rodas da frente. Opcionalmente poderia ser encomendado com transmissão
automática. Mais tarde surgiu o sistema de faróis direccionáveis, injecção a
gasolina e até um motor a diesel. A Portugal chegou em 1956, o DS 19 custava
cerca de 120 contos e era anunciado como: «o
carro em que se pode apreciar a paisagem, ler, escrever, dormir, conversar,
rolar sem fadiga, quer à frente quer à retaguarda, com qualquer tempo». Em
1960 a Citroen lançou um modelo descapotável.
Desenhado por Henri Chapron foi apresentado
no Salão de Paris e esteve em produção até 1971. Revestido a couro, com tampões
especiais nas rodas e o refinamento próprio de um topo de gama, o DS Cabriolet
custava quase o dobro da berlina. Face ao sucesso do DS a Citroen começou a ter
problemas na produção na fábrica do Quai de Javel nas margens do Sena. A lista
de espera chegou aos 18 meses passando a montagem para fábricas no Reino Unido,
Bélgica e em 1959 para a África do Sul. A produção do DS chegou também à antiga
Jugoslávia, à Austrália e até a Portugal, mais propriamente à linha de
Mangualde. Um automóvel com requinte, estilo e personalidade que teve como
proprietários grandes empresários franceses e governantes, príncipes e até reis,
necessitava de argumentos especiais para chegar a outros segmentos. Um deles o
preço, que levou a Citroen a retirar alguma tecnologia para poder reduzir custos
e apresentar mais tarde em Outubro de 1956 o ID19 que se diferenciava pela
caixa de velocidades com embraiagem mecânica e direcção não assistida. O preço
baixou 20 contos, passando o ID a custar cerca de 100 contos. Com essa
democratização aparece a versão break lançada em 1958, uma carrinha muito
versátil, espaçosa, que se distinguiu pela possibilidade de ser utilizada como
veículo familiar de sete lugares.
Os dois bancos colocados nas laterais
do porta bagagens permitiam que duas crianças viajassem desconfortavelmente.
Como veículo comercial tornou-se muito interessante, muitas vezes utilizado
para ambulância pelas propriedades da suspensão hidropneumática. A carreia
desportiva deste modelo durou 18 anos e a sua primeira vitória foi em 1959 no
Rali de Monte Carlo com a equipa Coltelloni / Alexandre permitindo nesse ano a Citroen
conquistar a Taça dos Construtores. No Safari com Françoise Houillon voltou a
ganhar a Taça das Senhoras em 1965, êxito repetido no ano seguinte em Monte
Carlo. Provas como Londres-Sidney e Bianchi-Ogier viram este modelo da Citroen no
comando até perto do final. Em Portugal Francisco Romãozinho e Nuno Botelho
foram os pilotos que se destacaram ao volante dos DS. A Presidência da
República Francesa tem uma relação antiga com a fábrica Citroen e como seria de
esperar encomendou um DS muito personalizado. Na lista de requisitos estava ser
um automóvel mais longo que o Lincoln do Presidente dos Estados Unidos. Henri
Chapron voltou à tela e desenhou um DS presidencial com 6,53m de comprimento
onde um vidro curvo separava os lugares da frente dos traseiros. Revestido a
couro castanho, um lugar especial para o intérprete, vidros eléctricos,
climatização, iluminação directa e indirecta, intercomunicador e um minibar
encastrado, fazia deste DS uma jóia sobre rodas. A oito de Setembro de 1961
conduzido por Francis Marroux este DS sofre um atentado sobre a Pont-sur-Seine,
o presidente sai ileso. Em Agosto de 1962 volta a ser alvo de outro atentado conhecido
como Petit-Clamart organizado por um comando da OAS (Organization de L’Armée
Secret) que contestava a política francesa na Argélia. Milagrosamente o
presidente volta a sair ileso mas desta feita a imprensa da época atribui a sorte
às capacidades do DS que com os dois pneus da frente furados e 14 projécteis na
carroceria manteve a trajectória que, com uma redução de quarta para terceira «voa»
da linha de fogo salvando os passageiros. Lisboa também teve DS na presidência
e táxis no Rossio. Personagens como Sttau Monteiro entre outros disfrutaram a
beleza da sua condução. Mecanicamente apesar de robustos, atendendo à
complexidade de algumas soluções escolhidas tornou-se problemático por exigir
quase sempre um técnico especializado para algumas operações, nomeadamente
quando se tratava da suspensão que, possuía esferas onde conviviam à pressão fluidos,
gasoso e liquido.